Renata Sernagiotto

Butiques de Ipanema

     

O estudo que se dará é um breve relato sobre a chegada dos europeus à orla brasileira, especificamente à carioca, até os dias de hoje, no bairro de Ipanema, levantando os principais aspectos que fundamentam sua trajetória e seu perfil de espelho no que se refere a comportamento e moda, ao resto do país.

A Orla Carioca e a Fundação da cidade do Rio de Janeiro
Segundo Marcos Sá Corrêa, em Orla Carioca, o Rio de Janeiro dos europeus ficava atrás da praia, porque apenas a terra era o que lhes interessava. A orla marítima carioca, no período inicial de colonização, não passava de um local onde ficavam os embarcadouros de onde observavam a costa. Por dois séculos, os cariocas apegavam-se à terra firme e resistiam à mudança de comportamento que viria a introduzir o banho de mar à sua vida.

Os colonizadores avistaram a Baía de Guanabara – quando pensaram encontrar uma ilha e não um continente – no dia 1º de janeiro de 1502. A geografia local era semelhante à boca de um grande rio – o rio daquele dia de janeiro – nomeando assim o “provável endereço do paraíso na Terra”, segundo Américo Vespúcio.

Em pesquisa no livro Orla Carioca, da pesquisadora Cláudia Braga Gaspar, a fundação da cidade do Rio de Janeiro se deu em 1º de Março de 1565 quando foi batizada como São João do Rio de Janeiro por Estácio de Sá em louvor ao seu padroeiro e em homenagem ao futuro rei de Portugal, Dom Sebastião. Quando fundada, a cidade se limitava entre os morros do Pão-de-Açúcar e de São João. Devido às condições do local – escasso em água e de complicado acesso ao interior –, a cidade transferiu-se para o alto de uma colina conhecida como Morro do Castelo, mas para se desenvolver, teve que escorregar ladeira abaixo. Lagoas e pântanos que os atuais aterros tiraram do mapa pois atravancam este primeiro esboço do traçado urbano da cidade.

O crescimento descontrolado e desorganizado acarretou na constante perda da paisagem carioca à partir da descoberta do ouro em Minas Gerais. O país foi elevado a Vice-Reino de Portugal e a cidade a sede administrativa nacional. É o período que repercute na expansão para áreas pouco habitadas até então. A escolha de São Cristóvão para a residência da família real empurra a cidade para o terreno pantanoso da Cidade Nova, região abrangida pelos bairros que hoje compreendem a Zona Sul carioca. Foi em meio a tantas mudanças que o Rio de Janeiro estreou um período lembrado pela presença constante de artistas europeus e da circulação dos primeiros jornais. A fundação do Jardim Botânico e a descoberta do banho de mar pelo carioca foram outras referências da época.

Acesso à Zona Sul
Cláudia Braga Gaspar explica, através de sua pesquisa, que no governo Rodrigues Alves e na prefeitura de Pereira Passos, que virou a cidade às avessas, uma onda de urbanização alterou toda orla carioca. Despontaram-se avenidas e o antigo traçado da cidade foi alterado para a chegada do progresso, caracterizado pela luz elétrica e os bondinhos. Novas avenidas que saíam da cidade atravessavam Botafogo e rumavam à Copacabana, iniciando o acesso à Zona Sul carioca.

O Banho de Mar
A autora também destaca a influência do banho de mar, assim como todos os hábitos da época vindos da Europa. Tratados e estudos médicos do século XVII pregavam as virtudes terapêuticas da água fria e da longevidade de povos vivificados por tradições marítimas. Já no século XVIII, tornou-se mais enfático o banho de mar para a cura de doenças ligadas à depressão e ao sistema nervoso. O príncipe regente Dom João foi o pioneiro do mergulho terapêutico nas águas cariocas por causa de uma inflamação na perna causada por picada de carrapato. O ponto escolhido foi a praia de São Cristóvão, próxima à residência da família real na Quinta da Boa Vista. Dom João, mesmo estando na América, estava em dia com a última moda européia.

Mesmo assim, apenas em meados do século XIX é que a população passa a freqüentar a praia. Eles mudavam de roupas em simples cabines de madeiras, com espelhos e banquinhos (conhecidas como Casas de Banho), e banhavam-se em jejum; o café vinha depois servido em barracas-botequim nas imediações das praias do centro da cidade. Havia também as barcas de banho que eram de cobre, divididas em cabines e que estacionavam nas imediações de Botafogo e Flamengo. Assim, juntamente com a chegada da urbanização, conseqüentemente dos bondes, a população criou o hábito de freqüentar as águas cariocas para o lazer e esportes. A atração comercial do fato da freqüência da praia incentivou também o início do turismo na época, quando os hotéis divulgavam seus serviços, atraindo assim os enfermos que buscavam a cura na tal combinação água fria e iodo.

Figura 1 – Orla Carioca

Ipanema
Há um site, veiculado na Internet, dedicado ao aniversário de 110 anos do bairro de Ipanema, incluindo matéria sobre a origem do local (publicado em 21/04/2004). Consta que os primeiros moradores foram os índios tamoios. Por volta de 1575, os colonizadores portugueses dizimaram os índios e ali instalaram o Engenho Del Rei. Em 1609, as terras foram doadas e o nome do lugar virou Engenho Nossa Senhora da Conceição. O Engenho acumulou prejuízos foi leiloado pelo rei dom João VI, em 1808. A área era conhecida como Praia de Fora e mudou de mãos várias vezes até ser comprada pelo comendador José Antônio Moreira Filho, conhecido como Barão de Ipanema, em 1886. Apesar dos obstáculos naturais - só era possível chegar em tais terras de canoa, de barco ou a pé, ele decidiu explorar a área comercialmente e em 1884 surgia a Villa Ipanema, com ruas e lotes colocados à venda.

À velha Ipanema ia-se apenas de barco, atracando na Praia Grande, hoje, Avenida Epitácio Pessoa. O crescimento do bairro deu-se com o decreto que isentava de impostos os moradores por 10 anos no final do século XIX. De 1892 a 1894 linhas de bondes não oficiais eram traçadas para abrir acesso ao bairro. Elas vinham de Botafogo, passavam por Copacabana e tinham Ipanema como ponto final. Isso acarretou o aumento das vendas dos lotes da Villa Ipanema e o crescimento do bairro.

“Ipanema cresceu, mesmo que um pouco isolada do resto da cidade. Nos anos 40 e 50 não existia sequer uma boate por ali. Mas a partir da década de 60, o bairro começou a exportar modismos. Foi lá que a bossa-nova se estabeleceu, que Leila Diniz brilhou, que a Banda de Ipanema passou. Nos anos 70, surgiram "as dunas do barato", o local de encontro da geração desbunde. Nos anos 80, o bairro viu nascer nas suas areias o Circo Voador. Ipanema teve verões marcantes como o "da lata" e o "do apito". E fez a moda entrar na moda, ditando-a dos anos 60 aos 80, com lojas que ficaram para a história como a Mariazinha, a Blu Blu e a Company” (Arquivo Globo Online, 2004).

Figura 2 - Do Arpoador ao Posto 9

Fonte: Ela é Carioca

A partir de pesquisa realizada na Enciclopédia de Ipanema escrita por Ruy Castro e, de matérias publicadas no site eletrônico do jornal O Globo, em comemoração aos 110 anos do bairro de Ipanema, é de se destacar uma retrospectiva histórica da evolução do comportamento social de Ipanema – desde sua fundação até os dias de hoje – relacionada a cada ponto da orla deste bairro.

A beleza do Arpoador sempre foi citada, desde a chegada da população carioca à Cidade Nova, em meados da década de 10. Poucos anos depois, em 1930, lá estavam os primeiros moradores de Ipanema e toda população local. Famílias européias que vinham para o bucólico bairro misturavam seus filhos aos jovens nativos. Era uma praia nativa aos freqüentadores de todos os dias e famílias apenas aos domingos. O pessoal de algumas embaixadas também aparecia para um rápido mergulho na hora do almoço e, por causa disso, o Arpoador também atraia ilustres estrangeiros. Além do clima de paquera e de um clima de sensual liberalidade, havia já o culto ao corpo onde durante e logo após a Segunda Guerra Mundial era praticada a ginástica, o “jacaré” (de peito, com ou sem tábua), mergulho e caça submarina.

Figura 3 – Orla Carioca

Fonte: Orla Carioca

Foi o Arpoador de 1953 a 63, o grande laboratório de costumes e comportamento da cidade e do Brasil. Os jovens da época liam autores europeus e americanos modernos, eram amigos dos intelectuais, misturavam-se com o pessoal da Bossa Nova, freqüentavam os roteiros culturais da época como cinemas e cursos de teatro. As moças tinham um futuro profissional promissor, discutiam Existencialismo e Nouvelle Vague - movimento artístico do cinema francês que se insere no movimento contestatório próprio dos anos sessenta –, queriam estudar fora do país e não viam o casamento como única realização na vida (apoiadas na maioria das vezes por suas mães, de origem ou educação européia). Ao cultuar simultaneamente a beleza, o conhecimento e a autenticidade, essa geração atingiu a liberdade sexual sem culpa, revolucionando os meados dos anos 50 no Arpoador. As drogas não circulavam por ali ainda nesta época. Havia o conhecimento, mas o culto à saúde e à razão superava a curiosidade da experiência de substâncias que alteravam a mente.

O Arpoador sempre acolheu várias turmas, sem que houvesse o predomínio de umas sobre as outras: o pessoal da Bossa Nova, os freqüentadores de todos os dias, os esportistas. Mas com a crescente hegemonia do surfe, à partir de 1964, os assíduos começaram a debandar. Em 1965, a cultura e mitologia do Arpoador clássico chegavam ao fim, já que Ipanema era um bairro pronto para receber as bandeiras erguidas por este trecho de praia, como a do sexo sem culpa. Ocorreu então, um êxodo para apenas alguns metros de distância, localizado em frente à Rua Rainha Elizabeth – o Castelinho. Construído em 1904, a casa ficou eternizada como ponto de encontro para quem ia à praia na década de 60. Copacabana ainda não sabia, mas era o fim de seu reinado – a partir de 1962, a praia por excelência do Rio de Janeiro seria Ipanema.

Ao mesmo tempo, deu-se a construção do interceptor oceânico do bairro entre as ruas Farme de Amoedo e Teixeira de Melo. A escavação de 300 metros feita para a colocação de tubos de emissários de esgotos e o píer das obras ocasionou o surgimento das mais perfeitas ondas.  O Píer de Ipanema foi o símbolo da liberdade e do desbunde em plena ditadura do governo Médici, transformado em ponto de encontro de uma geração de surfistas, artistas e intelectuais que entraram para a história do Rio. Jovens cabeludos, com suas batas e ousados biquínis, tocando violão e embalados por drogas ilícitas, faziam parte do modismo de contracultura da época. Foi ali que Caetano viu Petit e compôs “Menino do Rio”, as dunas da Gal, ou do Barato era o “point” dos intelectuais e artistas como os irmãos Wally e Jorge Salomão, Jards Macalé e Jorge Mautner. Ali se falava das culturas orientais e das novidades artistas da época, do Tropicalismo, de Leila Diniz desfilando grávida e de biquíni pelas areias de Ipanema.

Figura 4 - Ipanema

Fonte: Globo Online

“Com toda essa gente, o Píer passou a ser muito mais que um ponto na praia. Era um estilo, uma república independente com suas próprias leis. Há quem diga que todo esse grito de liberdade era apenas consentido pela ditadura” (Globo Online, 2004.)

Nos Anos 80, o local ficou marcado pela geração do Circo Voador e o Verão da Lata. Foi no verão de 1982, quando por três meses o Circo Voador pousou no Arpoador. Blitz, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho despontaram ali. O grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone (formado por Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Perfeito Fortuna e Hamilton Vaz Pereira) também passou por lá, como quase todo mundo que tinha uma idéia nova para apresentar, assim como Cazuza.

O Píer transformou-se em Posto 9 – o mesmo pedaço de areia, mas que na geração seguinte, com a finalização das obras, tal ponto da praia recebia o nome do Posto que ali se localizava e é ainda o ponto mais famoso de Ipanema, apesar da praia ter se dividido de acordo com as tribos atuais. Em frente ao Country Clube, o clube da alta sociedade carioca, entre as ruas Aníbal de Mendonça e Henrique Dumont, concentra-se a juventude de patricinhas  e mauricinhos do Rio. Já em frente à Rua Farme de Amoedo fica a ala gay da praia de Ipanema.

A Moda que fez História
Ruth Joffily recupera, através da biografia de Marília Valls, o que foi o surgimento do comércio de moda no Rio de Janeiro no século XIX. A moda de rua dos anos 20 está ligada à figura das Andorinhas – senhoras que iam para Paris com o objetivo de comprar grandes quantidades de roupa e revender por muito mais caro no Brasil. Segundo a tendência que vem desde o Império, nossa cultura e costumes adota padrões franceses. Falava-se mais a língua francesa que a portuguesa, no comércio instalado na Avenida Rio Branco e Rua do Ouvidor, as quais eram réplicas francesas sob o calor tropical. Na época, moda não era associada ao consumo e sim a status e elegância. Quem pretendia ser elegante, vestia-se com a moda trazida pelas Andorinhas, um comércio quase feito de conhecida para conhecida.

Cláudia Braga Gaspar explica, em Orla Carioca, que com o modismo dos banhos de mar terapêuticos, surgia no século XVII, o traje de banho. Assim, até a Primeira Guerra Mundial, o modelito parava pudicamente nos joelhos, cobrindo os ombros e ocultando os pescoços em gola alta, além do chapéu. A roupa era confeccionada sob medida para proteger os banhistas do escândalo, do vento, das correntes de ar e do sol. Na década de 20, juntamente com toda a revolução dos “Anos Loucos”, ocorreu uma luta oficial a favor da tendência do traje de banho encurtar. Já em 1928, o jornal “O Cruzeiro” já dava a vitória da nova tendência que vinha dos balneários europeus: o uso do maiô nas praias cariocas.

“Os anos 20 ficaram marcados com a nova silhueta da mulher européia, livre de espartilhos, com as pernas à mostra. Os homens haviam permanecido os anos anteriores na guerra e assim, mulheres ocuparam posições no mercado. Com isso, os trajes sofreram radicais alterações. A Belle Époque já estava no passado: os vestidos pesados e cumpridos deram passagem a trajes sem tantos tecidos, acessórios, detalhes, costuras. A mulher ativa precisava de uma peça utilitária, funcional. O pós-guerra modificou também o uso de tecidos em abundância. Uma peça rebuscada podia ser transformada em outras duas ou três” (Ruth Joffily, 1989).

A mulher não tinha seu corpo mais marcado, mas podia já mostrar seus joelhos nos salões de dança ou, as mais ousadas, vestir uma moda masculina, com o uso de calças ou até mesmo ternos. No Brasil, podemos destacar Pagu e Tarsila do Amaral como mulheres que conquistaram seu lugar na cultura, na sociedade, mas que não podemos considerar a grande maioria da população, pois o conservadorismo ainda era regra geral.

Ruy Castro cita pesquisa da alemã Miriam Etz, recém chegada da Europa em 1936, que foi a primeira mulher a usar um Duas Peças, aos seus 22 anos de idade, no mar do Arpoador. O traje tinha sua calcinha quatro dedos acima do umbigo, mas o pedaço de pele que ficava exposto já causava o maior furor entre os homens e comentários do mulherio mais conservador. Com toda a revolução decorrente, algumas meninas atreviam-se a usar biquínis, criado em 1944, pelo francês Louis Réard. O traje era considerado o Duas Peças com o umbigo para fora e era visto nas areias cariocas no início dos anos 50.

Mas não era de moda praia que as mulheres da época queriam se vestir. Como já citado anteriormente, as jovens cariocas da época entre 1953 a 1963 eram politizadas, intelectualizadas, musicalizadas, adoravam a vida ao ar livre, a ida à praia e já assumiam sérios relacionamentos. Eram vaidosas e com as novas tecnologias chegando ao Brasil, a informação de moda caminhava paralelamente à chegada das novidades da Europa e dos Estados Unidos.

Até 1961, o consumo de moda fazia-se no centro da cidade, em lojas como Casa Canadá; escolhendo tecidos em armarinhos de Ipanema, como na Casa Alberto ou Madame Faria e contratando o serviço de alguma costureira; ou consumindo nas butiques de Copacabana, as primeiras a surgir no Rio de Janeiro, como a Mônaco e a Delma Serafim, segundo Ruth Joffily. Acompanhavam as tendências européias, mas a maioria das confecções era para agradar aos olhares estrangeiros – tanto para o consumo dos forasteiros que aqui freqüentavam turisticamente, como para as senhoras da alta sociedade não fazerem feio para as européias e americanas nos grandes eventos. Os olhares estrangeiros sempre valorizaram mais qualquer coisa em nosso país.

No Brasil de 1959 já se consumia moda. No banco de dados do jornal Folha de São Paulo, o site Moda Almanaque, anos 60 destaca que a classe média já tinha poder aquisitivo e este mercado começava ganhar expressão também devido aos filhos do chamado "baby boom". Os anos 50 chegaram ao fim com uma geração de jovens que viviam no auge da prosperidade financeira, em um clima de euforia consumista gerada nos anos do pós-guerra em todo o mundo. A nova década que começava já prometia grandes mudanças no comportamento, iniciada com o sucesso do rock and roll e o rebolado frenético de Elvis Presley, seu maior símbolo.

Já a autora recém citada verifica que com o surgimento da indústria nacional ligada à produção de vestimentas, as primeiras revistas femininas aparecem e dão ênfase a matérias de moda. À partir do momento que uma grande parte da população recebe informações de moda, dá-se o surgimento de uma indústria nacional de beleza, que não só estimula uma beleza que advém de padrões estéticos, mas sim do status de se vestir uma etiqueta. Estava aberta uma expansão para o público consumidor de moda: a mulher que busca ser diferente das outras, das que ainda consomem a padronagem americana, o importado. Elas querem diferenciação e estilo.

As costureiras podem ser consideradas as primeiras profissionais do consumo de moda e as mães do prêt-a-portér nacional: o conhecimento delas deu a base para o surgimento das confecções. Segundo o Moda Almanaque, os anos 60 viveram uma explosão de juventude em todos os aspectos. Era a vez dos jovens, que influenciados pelas idéias de liberdade, começavam a se opor à sociedade de consumo vigente. Nesse cenário, deu-se a transformação de uma única proposta em várias outras, e a forma de se vestir tornava-se cada vez mais ligada ao comportamento. Consciente desse novo mercado consumidor e de sua voracidade ocorreu em Ipanema a criação de butiques com produtos específicos para os jovens, que, pela primeira vez, tiveram sua própria moda – que na época era não seguir a moda -, o que representava claramente um sinal de liberdade e o grande desejo da juventude.

O Moda Almanaque destaca ainda que na Europa e nos Estados Unidos a influência dava-se também pela política e pelos movimentos estudantis. Na moda, a grande vedete desta década foi a criação da minissaia, da inglesa Mary Quant com o francês André Courrèges, que segundo os dois estilistas, a idéia da saia veio das ruas. Não há dúvidas de que passou a existir, a partir de meados da década, uma grande influência da moda das ruas nos trabalhos dos estilistas.

Figura 5 – Moda carioca

Moda Almanaque

A Art Nouveau, o Oriente, o Étnico, a viagem das drogas, a rua, a música, todos esses fatores tiveram influência na moda dessa época. A moda tornou-se unissex: todos vestiam terno, jeans, camiseta sem gola. Yves Saint Laurent lança o Smoking feminino, em 1966. Londres tornou-se o centro das atenções; a capital da Inglaterra ditava comportamento e paralelamente moda e costumes. Era lá que estavam os Beatles e as famosas jovens emancipadas e consumistas – as Chelseas Girls. O reflexo brasileiro era Roberto Carlos de cabelo na testa e Vanderléia de minissaia e bota branca.

Movimentos surgiram nesta época, considerada uma das mais férteis no campo da literatura, da arte, do cinema e da música. A Pop Art de Andy Warhol, A Op Art - abreviatura de Optical Art, corrente abstrata que explora fenômenos ópticos - também fez parte dessa época e estava presente em estampas de tecidos. A força do cinema europeu com a Nouvelle Vague do cinema francês, paralelamente ao neo-realismo do cinema italiano, influenciou o surgimento do Cinema Novo no Brasil.

No final dos anos 60, a nova capital mundial era São Francisco como sede da contracultura. Recebia jovens de todo o mundo, pois era o berço do movimento hippie, que pregava a paz e o amor através das flores (Flower Power), do negro (Black Power), dos gays (Gay Power) e da liberação da mulher (Woman’s lib). A função da contracultura aqui no Brasil dava-se pelos artistas do grupo Mutantes. Foi nesse contexto que a moda invadiu as ruas de Ipanema e surgiram, assim como a Mariazinha, outras butiques. Umas abriram e brilharam por mais de um verão, firmando a fama do bairro. Seus proprietários não se contentavam em vestir apenas corpos, eles também ditavam a atitude, o comportamento e o estilo de vida da época, citados por Ruy Castro e explicado nos parágrafos anteriores deste texto.

As butiques de Ipanema
Castro também observou que por trás destas butiques e de toda influência decorrente de tão fértil época, estavam pessoas criativas, que em nada queriam copiar o modismo ditado pela Europa e os Estados Unidos. A moda de Ipanema era feita à imagem de sua população: gente jovem e alegre, bronzeada, esportista, aberta sempre para o novo e com dinheiro para gastar. Mesmo quando originadas no exterior, as peças eram adaptadas ao jeito local: os biquínis desciam e encurtavam suas extremidades no bumbum, as camisetas subiam e as calças Saint Tropez iam para bem abaixo do umbigo.

A Mariazinha fazia uma moda clássica, voltada para uma mulher feminina, chique e atuante. A marca sempre trouxe como sua característica principal os acessórios, sempre cheios de personalidade e estilo. Em sua trajetória, a Mariazinha teve lojas de moda infantil, jovem, de presentes e até de tecidos. Foram estas lojas que davam informações de moda e a falavam da importância dos acessórios ao longo da existência da marca que perdura até hoje.

A Bibba, dirigida por Itajahy, localizava-se na esquina da avenida Visconde de Pirajá e a rua Maria Quitéria e tornara-se a butique mais revolucionária de Ipanema devido ao seu criador, suas criações encabeçavam a lista “must have” da época: era obrigatório o uso da camiseta Bibba, com frases de impacto, estampada na manga e inspirada pela butique Mic-Mac de Saint Troppez.
A marca criou a força da imagem de Ipanema para fazer moda e mesmo em uma época que ainda era proibida a entrada de mulheres vestindo calça em alguns locais públicos, Itajahy lançou o terninho desbotado feminino e a camiseta unissex.

A história da ultrapsicodélica Aniki Bobó nada tinha a ver com tudo que engloba seu nome, que é uma espécie de jogo infantil, semelhante ao nosso uni-duni-tê. A proprietária, Celina Moreira da Rocha, inspirou-se também no filme homônimo, do diretor português Manuel de Oliveira, precursor do neo-realismo italiano. A loja se localizava na rua Francisco Otaviano, 67 e seu design foi criado juntamente com o artista plástico Gilles Jacquard. A fachada era toda cromada, sem vitrine, com o nome escrito em uma fonte semelhante à usada pelos Beatles em Yellow Submarine, de onde se conseguia ver o interior da loja. O futurismo da mobília em seu interior era semelhante ao utilizado por Stanley Kubrick, em Laranja Mecânica. As criações mais expressivas da Aniki Bobó foram as peças em veludo amassado que visualmente parecia molhado e que vestiam desde a mulher mais rica àquela que economizava por meses para poder vestir a marca.

A Frágil, localizada na rua Farme de Amoedo, 72, tinha como objetivo entre seus sócios mudar aquela realidade que estavam vivendo. Com as derrotas políticas decorrentes de 1968, a revolução sexual e a expansão da mente pelas drogas em 69, o artista plástico Adriano de Aquino, Célia Resende e Carlos Veiga criaram a antimoda da marca: calças pijamas, peças com tecido de saco, batas indianas. Além de roupas, a loja tinha uma banca – a Free Pass, que vendia revistas de rock, peças underground – abrigava exposições e promovia eventos.

Com a chegada do Píer, em 1971 e todos os acontecimentos que marcaram o novo point de Ipanema, a marca era a preferida dos hippies de butique, sendo Gal Costa a artista que vestia a marca e símbolo também do Píer e das Dunas do Barato. Em 1973, Adriano Aquino ganhou um prêmio do governo francês e partiu para Paris, dando assim o encerramento da marca.

Fonte 6 – Marília Valls

Fonte: Marília Valls – Um ensaio sobre a moda

Marília Valls, a dama da moda carioca. Descendente de uma família que se mantinha de aparências: divorciada e sem o dinheiro de seu pai, viu-se obrigada a trabalhar em uma época em que as mulheres não trabalhavam e não se divorciavam. Marília fez carreira na indústria têxtil e mudou o mercado da moda no Brasil. Cansada de ser empregada e já com um nome forte no mercado, decidiu pegar o dinheiro que tinha juntado e abriu a Blu-Blu, nome proveniente pela falta de dinheiro, fato que só permitia a criação de blusas. Depois expandiu suas criações para vestidos de rendas, aventais tingidos por artistas plásticos e tudo o que pudesse ser usado do umbigo para cima. A Blu-Blu desenvolveu um estilo inovador, uma moda de vanguarda, que era apoiada em aproximadamente cinco elementos estéticos: o elemento retrô e nostálgico; as cores de suas estamparias que misturavam cores jamais antes propostas como laranja e o turquesa; o toque branco nas coleções, inspirado em nossa cultura e pelo sol carioca; o toque romântico das rendas e babados, também inspirado por nossa cultura e folclore e por último o elemento lúdico e da fantasia imposto desde a decoração de sua loja, como nos desfiles que criava na rua, em frente à casa branca na antiga rua Montenegro – hoje, Vinícius de Moraes, número 111.

Os desfiles eram grandes acontecimentos que paravam o bairro pela grandeza do seu show, anunciando o lançamento de uma nova coleção. Modelos como Monique Evans, Xuxa Lopes, Silvia Pfifer, Ísis de Oliveira, Débora Bloch, Beth Lago, entre outras executavam coreografias dirigidas por Paulo César de Oliveira e Biza Vianna, filha mais velha de Marília. Por questões financeiras, a Blu-Blu fechou suas portas em 1987. Marília nunca saiu do cenário da moda. Junto a toda sua experiência e aos anos que fez parte do grupo Moda-Rio, sentiu-se preocupada com a formação de profissionais deste setor. Criado em 1978, devido a fragilidade que o comércio da moda enfrentava naquela época sensível em todos os campos, estilistas e comerciantes em ascensão no momento se uniram buscando uma estrutura de base para melhorarem os negócios.

O grupo Moda-Rio tinha como objetivo melhorar o espaço de divulgação de seus trabalhos e era formado por Marília Valls, Luís de Freitas, José Augusto Bicalho, Teresa Gureg, Beth Brício, Sônia Mureb, Marco Rica, Ana Gasparini e Suely Sampaio. Em estilo, cada um tinha a sua individualidade, mas em objetivo de melhoria do mercado, de pesquisa de tecidos, tendências, modelos de estratégias mercadológicas, todos compartilhavam juntos. A repercussão do grupo foi inevitável e foi o grande lançador das discussões de moda e das associações voltadas para este mercado. Como conseqüência, consolidava o Rio de Janeiro como grande centro da moda brasileira. O grupo foi dissolvido em 1982, no auge de um período de recessão marcado pelo declínio do então regime militar. Paralelamente, o Rio de Janeiro perdia seu lugar de centro da moda nacional. Em 1989, Marília passou a coordenar o setor de estilismo do Núcleo de Moda da faculdade Cândido Mendes, na cidade do Rio de Janeiro.

No mesmo ano que Marília abria a Blu-Blu, Ruy Castro também destaca que Mauro Taubman lançava a Company, marca voltada para o público jovem. Percebendo a situação em que se encontrava o mercado e enxergando a sua geração em si mesmo - a do culto ao corpo, ao “eu” do jovem ligado aos novos esportes -, criou camisetas, bermudas, bonés, mochilas que mudariam a moda da época para os cariocas. Sua primeira loja situava-se na esquina das ruas Garcia D’Ávila e Prudente de Morais e poucos anos depois já teriam mais de vinte outras espalhadas por todo país.

Apoiando competições de surfe, skate e vôo livre e patrocinando os principais atletas de cada estilo, o nome Company estava presente o tempo todo para aquele público. Mauro criou camisetas com mensagens ligadas à preservação da natureza e anos depois alertas contra a AIDS, doença que o tirou a vida no auge do sucesso da marca. A partir dos anos 90 a marca perde a força e é engolida por novos modismos já indicados por São Paulo. A Company foi a última da moda “ipanemense” e sua força juntamente com a de José Luiz Itajahy e Marília Valls fizeram uma moda repleta de criatividade e de um marketing agressivo e moderno nunca visto antes e difícil de ser visto atualmente.

As butiques de Ipanema nos dias de hoje
Seguindo o movimento iniciado nos anos 60, ainda hoje existe uma moda “ipanemense”. Aquela que traduz uma juventude de quem freqüenta a praia e reside no bairro que ainda acontece, mesmo não sendo da maneira que aconteceu um dia. Esta moda despojada é traduzida nas marcas – tanto as que não foram fundadas em Ipanema, como as que nasceram no bairro – que ditam o estilo de vida deste carioca, que vive a vida do bairro nos dias de hoje. Pessoas ligadas à natureza e à praia, alegres, ativas, preocupadas com a saúde física e mental. O estilo que tais marcas querem passar é o estilo do ser, de se vestir como forma de expressão, do que você é e sente; portanto, a moda de Ipanema é uma moda alegre, colorida, despojada, com um estilo único. São destacadas a seguir algumas das principais marcas cariocas que traduzem todo esses atributos característicos do bairro de Ipanema nos dias de hoje.

Totem
Uma marca nascida das areias de Ipanema, foi idealizada pelo surfista Fred D’Orey, um dos cinco melhores do Brasil nos anos 80. Segundo matéria da revista Vogue Brasil, a marca nasceu da sua vontade de colorir o mundo com as cores da natureza praiana. Amigo de Ricardo Bocão, surfista e assíduo freqüentador das areias de Ipanema desde a época do Píer, Fred tinha uma vontade louca de mexer com moda para traduzir tudo aquilo que ele imaginava ser ideal para se usar à beira-mar.

Fred, o rapaz de família tradicional quatrocentona paulistana, nasceu no Rio, morou no Arpoador, viveu em Bali e Londres, viajou muito com a prancha debaixo do braço, escreveu para a revista Fluir e foi editor da revista Trip, desenvolvendo assim, sua paixão pelo lifestyle praiano. Antes de criar sua própria marca, fazia camisas para lojas que já estavam no mercado até que um dia se cansou de criar as mesmas estampas que remetem à praia e mar e em 1995 criou a Totem. Suas coleções eram criadas à partir de fibras naturais e algodão, tendo como diferencial as estampas, elaboradas à partir de viagens, da natureza e do estilo de vida praiano.

Osklen
Segundo o site desta empresa, a marca criada pelo médico Oskar Metsavaht, tem como proposta aliar estilo, design, qualidade e serviços, sem esquecer a responsabilidade social e a consciência ecológica. Ao mesmo tempo em que criava roupas, Oskar criava um novo estilo de vida com ações de patrocínios a eventos esportivos, expedições ao redor do mundo e esportistas radicais, iniciativas sociais e ambientais. Aliando seu vestuário a uma filosofia de vida e harmonia com o meio ambiente, logo incorporados pelo carioca de Ipanema, onde se localiza a primeira flagship – loja conceitual - da marca.

A Osklen nasceu em 1986, com o objetivo de elaborar roupas para uma expedição ao Monte Aconcágua, nos Andes. A qualidade técnica das roupas foi tão boa, que Oskar começou a criar casacos para seus amigos alpinistas. Em 1988 foi criada a logomarca representada por um design esportivo e moderno e de estética clean, que representa fielmente o próprio produto. A primeira loja foi aberta em 1989, em Búzios, pois era lá que estava a camada mais rica do Rio de Janeiro e que se interessava por um produto para a neve. No mesmo ano, foi lançada a primeira coleção de verão da marca, que em 1992 teve seu primeiro desfile no Copacabana Palace, e foi considerada uma coleção de moda de vanguarda pelos jornalistas.

Richard’s
Nasceu em 1961. Seu fundador, Ricardo Pereira da Cruz Ferreira era um adorador dos prazeres da praia e de esportes como o surf e a pesca submarina. Aos 16 anos, resolveu criar acessórios para vender nas lojas mais exclusivas de Ipanema e assim, ganhar mais dinheiro que sua escassa mesada. Dois anos depois, criava camisetas com frases pirateadas de bottons americanos, estampadas em silk screen e já lançava seu nome no mercado da moda de Ipanema.

Em viagem a Londres nos anos 70, Ferreira descobriu em peças antigas de um brechó o estilo de roupa que queria usar. De volta ao Brasil e com a inspiração na cabeça, inaugurava ainda no Leblon a Mr. Krishna, loja de camisas que iam do modelo western às tropicais tinturadas. Em 1974 abriu sua primeira Richards, em Ipanema, e diversificou geral: além dos jeans desbotados, revolucionou o mercado com o estilo desestruturado. Sem nunca ter usado terno na vida, com preferência a uma roupa mais livre, casual, fácil de usar e sempre elegante, Ricardo fez do seu próprio estilo de vida sua marca.

Até 2004, a marca era somente masculina. A partir deste ano foi criada, mas apenas na loja de Ipanema, a coleção feminina que é marcada por peças confortáveis, com cores alegres, e sandálias rasteiras que trazem a essência da marca Richards e podem ser misturadas entre si e usadas tanto num pós-praia, quanto à noite.

Conclusão
As marcas citadas da atualidade comprovam que suas criações seguem o comportamento atual de seus moradores. Diferentemente do passado, Ipanema hoje não dita mais o comportamento, pois o momento atual traz muitas influências globais por conta das tecnologias existentes: o imediatismo nas comunicações e acontecimentos mundiais.

Ipanema, hoje, traz um glamour e uma descontração única deste local e de seus habitantes. Contudo, difere do seu apogeu quando nos anos entre 50 e meados de 80 criava e sustentava todas as manifestações culturais mais diversas que foram responsáveis pelo comportamento de vanguarda de todo o país.

Referências Bibliográficas
CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. 360 pág.

CASTRO, Ruy. Ela é Carioca: Uma Enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia da Letras, 1999. 426 p.

GASPAR, Cláudia Braga. Orla Carioca: História e Cultura. São Paulo: Metalivros, 2004. 288 p.

JOFFILY, Ruth. Marília Valls: Um trabalho sobre moda. Rio de Janeiro: Salamandra, 1989. 141 p.

Ipanema 110 Anos. Globo Online. Rio de Janeiro, 21 Abr. 2004. Disponível em <http://oglobo.globo.com/especiais/ipanema/>. Acesso em 28 Abr. 2004.

GARCIA, Cláudia. Especial Moda Almanaque Anos 60. Folha Online. São Paulo. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/anos60.htm>. Acesso em: 8 Abr. 2005.

Osklen. Disponível em http://www.osklen.com.br

Richards. Disponível em http://www.richards.com.br

Totem. Disponível em www.totempraia.com.br

Renata Sernagiotto é formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Metodista de São Paulo. Atuou na área de Marketing do Morumbi Shopping e na equipe de Merchandising da Americanas.com. Deixou a publicidade para entrar no mercado da moda, formando-se em Gestão da Comunicação na Moda no IBModa em 2004 e atualmente cursando o MBA em Marketing e Design do IBModa. Hoje, trabalha como produtora na Helena Augusta Assessoria de Comunicação e é responsável pela produção de moda da empresa.
  Renata Sernagiotto